O Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE é um dos principais eixos fundamentais na promoção da saúde e da segurança alimentar no Brasil. Dentro dessa complexa política pública de Estado, o papel do nutricionista é crucial para o sucesso e a eficácia do Programa. A presença de um profissional qualificado e comprometido não só garante a qualidade nutricional das refeições oferecidas, mas também contribui para a formação de hábitos alimentares saudáveis entre os estudantes, influenciando positivamente sua saúde e desempenho acadêmico.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS no PNAE estão conectados diretamente com o papel do nutricionista, garantindo que os alimentos oferecidos aos alunos atendam suas necessidades nutricionais, e estejam alinhados com práticas sustentáveis, como por exemplo, a inclusão de alimentos da produção familiar rural. Dessa forma, o PNAE contribui não apenas para a saúde e o bem-estar dos alunos, mas também para a aquisição de hábitos alimentares saudáveis, com o aprendizado, bem como com o desenvolvimento local e a preservação do meio ambiente.
O nutricionista no PNAE é responsável por uma série de atividades técnicas fundamentais para a execução da alimentação escolar. Entre as atribuições mais importantes, destaca-se a elaboração dos cardápios escolares, que devem ser planejados de acordo com as necessidades nutricionais dos alunos nas diversas faixas etárias e condições de saúde. Esse planejamento deve considerar a diversidade regional, cultural e a sazonalidade dos alimentos, promovendo uma alimentação equilibrada e saudável.
Além disso, o nutricionista é o responsável por supervisionar a qualidade dos alimentos adquiridos, seu transporte, armazenagem, preparação e distribuição das refeições, garantindo que estejam em conformidade com as normas de segurança nutricional e dos alimentos. Essa supervisão inclui a análise dos alimentos licitados, respectiva documentação apresentada pelos fornecedores, com aprovação ou não nesse contexto, atuando guardião da saúde dos alunos.
Outro aspecto relevante do trabalho do nutricionista no PNAE é a promoção de ações de educação alimentar e nutricional – EAN. Essas ações são essenciais para sensibilizar e orientar a comunidade escolar, que são os alunos, seus pais e funcionários da escola, sobre a importância de uma alimentação adequada e saudável. O nutricionista desenvolve atividades educacionais em conjunto com a equipe pedagógica, que vão desde a sensibilização para o assunto, até sua integração ao currículo escolar, abordando temas como a importância da utilização de alimentos in natura e minimamente processados nas preparações, a redução do consumo de ultraprocessados e a valorização da cultura alimentar local.
Essas iniciativas são fundamentais para a formação de hábitos alimentares saudáveis, que precisam perdurar ao longo da vida dos alunos. A EAN realizada no ambiente escolar tem o potencial de impactar não apenas a saúde das crianças e adolescentes, mas também de influenciar os hábitos alimentares das suas famílias e profissionais da educação, promovendo mudanças positivas em toda a comunidade.
Um ponto crucial para que o nutricionista exerça suas atividades do PNAE com segurança, é sua formação. A ausência de um foco adequado nessa área durante a formação acadêmica é um desafio significativo. Embora o PNAE seja uma das políticas públicas mais importantes do Brasil, a maioria dos currículos de graduação em Nutrição não dedica atenção suficiente à capacitação específica para atuar no Programa. Isso gera um descompasso entre as competências exigidas no mercado de trabalho e a formação recebida na graduação de nutrição.
A formação acadêmica insuficiente em relação ao PNAE impacta a eficácia do Programa. Isso reforça a necessidade de uma reformulação curricular que prepare os nutricionistas para as exigências específicas dessa política pública sem qualquer interrupção desde seu início em 1995.
As teses de mestrado (2005) e doutorado (2016) realizadas pela nutricionista Rosana Maria Nogueira e de doutorado pela nutricionista Kátia Regina Leoni Silva Lima de Queiroz Guimarães (2018) são referências valiosas para fundamentar essa discussão, evidenciando a urgência de uma educação mais voltada para a prática no contexto da alimentação escolar. Tais pesquisas oferecem uma análise aprofundada sobre essa questão.
Nogueira discute a necessidade de incluir temas como gestão técnica e operacional do PNAE nos currículos de Nutrição, enquanto Guimarães explora as lacunas na formação que impactam a atuação dos nutricionistas nessa área. Ambas as pesquisadoras argumentam que uma formação mais direcionada e prática poderia capacitar melhor os profissionais para enfrentar os desafios específicos do PNAE, como a elaboração de cardápios equilibrados, a supervisão da qualidade dos alimentos e a promoção de práticas alimentares saudáveis.
Outra questão fundamental e que precisa ser contextualizada para que o nutricionista desempenhe suas funções de maneira eficaz e comprometida, é a forma como é contratado, sendo fundamental que seja por meio de concurso público. A estabilidade proporcionada pelo concurso garante a continuidade do trabalho do nutricionista, evitando a descontinuidade e os riscos associados aos contratos temporários, que muitas vezes são realizados por meio de processos seletivos, pregões ou chamadas públicas. Nutricionistas concursados têm maior autonomia e segurança para tomar decisões técnicas, além de poderem se dedicar ao planejamento e à execução de projetos de longo prazo, essenciais para o sucesso do PNAE.
Diversos pesquisas evidenciam a relação direta entre a alimentação escolar adequada e saudável e a melhoria do desempenho escolar dos alunos. A oferta de refeições saudáveis e adequadas à saúde deles, contribui para a prevenção da desnutrição, mesmo aquela oculta e de doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade e diabetes, que têm impacto direto na capacidade de aprendizado e na frequência escolar. O nutricionista, ao garantir que as refeições atendam às necessidades nutricionais dos alunos, exerce uma influência positiva no ambiente escolar, promovendo uma melhor concentração, disposição e, consequentemente, melhores resultados educacionais.
Embora o papel do nutricionista seja fundamental, ele enfrenta desafios constantes, como a necessidade maior atenção e respeito pelos gestores da alta administração (prefeitos e secretários de educação), de adaptação à gestão das políticas públicas, a gestão eficiente dos recursos disponíveis e a conscientização da comunidade escolar sobre a importância de uma alimentação adequada e saudável. O nutricionista deve ainda, estar preparado para lidar com questões emergentes, a nova lei de licitações, a Lei 14.133/2021, impactando a tomada de decisão como profissional da área técnica no PNAE, o planejamento das atividades, a sustentabilidade, requerendo maior quadro de profissionais de apoio para as questões técnicas, administrativas e operacionais.
As perspectivas para o futuro apontam para uma valorização do nutricionista no PNAE, dada a sua importância, inclusão nas legislações vigentes, reconhecendo seu papel estratégico na promoção da saúde e dos alunos. Para isso, é necessário a atenção da alta administração com investimentos contínuos no aprimoramento técnico, com a capacitação deste profissional, além de um fortalecimento das políticas públicas que garantam a sua contratação e atuação efetiva.
O nutricionista é um dos pilares de sustentação PNAE. Há dependência deste profissional para o sucesso do Programa e sua atuação técnica, aliada a um compromisso ético e com estabilidade profissional, é essencial para garantir que milhões de alunos brasileiros tenham acesso a uma alimentação adequada e saudável e segura. Além disso, o nutricionista tem um papel transformador na EAN junto da comunidade escolar, contribuindo para a formação de cidadãos mais conscientes e saudáveis. A valorização do trabalho do nutricionista no PNAE é uma investimento para o futuro considerando as novas gerações, dada a sua participação na construção de um Brasil mais justo e saudável.
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